Este ee o primeiro de dois artigos em que irei comentar a candidatura de Jair Bolsonaro. Ja fiz outro, em que falei sobre suas caracteristicas enquanto candidato, mas agora nestes dois artigos irei falar sobre dois pontos: neste, sobre o voto de mulheres, negros e gente do bem, e no outro, sobre o discurso de odio e o fascismo, independente dos memes ou videos em que ele aparece desancando mulheres, minorias, etc.
Bolsonaro ee um candidato que se criou nas entranhas do poder, que surgiu numa legenda minuscula e que tem um discurso supostamente antitudo o que viu por ai. Um sujeito que, embora tenha se aproveitado das benesses do poder, nao auferiu destaque nas negociatas, nos toma la da ca, assim como nos jogos de influencia. Notem, estou dize3ndo que ele nao auferiu destaque, nao que nao tenha feito tudo isso citado.
Pois bem, vivemos num contexto em que a desconfianca ee ampla e aparentemente irrestrita. Em que sabemos que, mal surge alguem que se propoe a questionar o sistema, muitos se opoem a ele, seja por boa ou ma infencao. Um ambiente toxico, em que aparentemente todos os que estao dentro do poder nao querem que nada mude, e em que todos os que estao de fora assumem um comportamento erratico, ora se opondo a tudo, mudando tudo, ou nao querendo se meter, por medo das consequencias.
Bolsonaro assume um discurso de que nao teem medo. Poe a cara para bater, e nisso inclui a sua familia toda. Ele, claro - como ja abordei antes -, assume-se como sincero, como falando o que pensa, e nisso atrai. Mas, mais do que isso, ele se apresenta como um sujeito que veio para mudar o rumo das coisas. Nesse contexto, ee claro que ele acaba metendo os pes pelas maos, ate porque nao entende nada de economia, de educacao, de historia, de cultura, etc. Mas ele nao fala besteiras de caso pensado. Fala besteiras porque nao sabe mesmo. E, aqui vem ao caso, nao quer saber.
Mulheres sao tratadas no minimo com condescendencia por parte dele. Ele, por mais que as tente exaltar, o faz no discurso cristao tradicional, no sentido de ressaltar seu papel de mae, de criadora dos filhos, etc. Nao consegue - ate porque nao quer - imagina-las como fornecedoras de algo mais na familia, mesmo que saibamos que grande maioria dos filhos atualmente sao de maes sem pai em casa. Ele tambem nao ve os trabalhos de mulheres como exemplos a serem seguidos. Ele as ve, de um lado, como parte de uma familia, e de outro, como forca de trabalho.
Claro que a esquerda se aproveita disso, e tenta impingir-lhe (a ele) um discurso machista, que cola, sim, mas apenas em parte. Cola porque seu discurso realmente ee limitado, nao entendendo o heroismo que ee para maes com filhos grandes sustentar uma familia inteira, e se submeterem a salarios menores. Mas apenas em parte porque a grande maioria das pessoas sabe que essa condicao (das maes) nao ee algo a que alguem se opoe concretamente apenas com um discurso. Na verdade, ee algo cultural, e ee algo em que todos estamos imersos. Sabemos, sim, que os filhos precisam da figura paterna, importante para estabelecer limites. E as mulheres que o ouvem falar (a Bolsonaro) sabem da dificuldade que ee controlarem filhos somente com seu papel de maes. Claro que ee diferente dizer que lar com mae e avo ee berço de garotos desviados.
Nesse sentido, Bolsonaro encarna o sujeito que se propoe ter autoridade num pais. Claro que entre autoridade e autoritarismo tem um fosso enorme, mas as pessoas nao se ateem normalmente a isso. E as mulheres veem no Bolsonaro, malgrado tudo o que se fala de ruim a respeito dele (muito do qual esta embasado em videos, declaracoes, etc.), um sujeito se dispoe, com todos os seus enganos, a colocar o sistema todo em questao. Nesse sentido, nao o encaram necessariamente como uma ameaca. Pois muitas veem nele um sujeito vilipendiado por quem nao esta, de fato, interessado em melhorar o todo, e muito menos o contexto delas. Essas mulheres, claro, nao veem como simpatia marchas das vadias, nem comportamentos supostamente desviantes de mulheres que estao apenas sendo livres. Sao mulheres de indole conservadora, mas nem por isso burras. Tambem por isso muitas delas, que apoiam Bolsonaro, sao de estratos mais altos socialmente falando. Sao mulheres que, por muitos motivos - alguns de indole social -, entendem que sabem o seu lugar. As feministas, como sabemos, parecem querer tudo. Estas, nao.
Mas vejamos aqui que Bolsonaro ee tambem apoiado por negros. Pois bem, como se da isso, dado que ele expressa claramente uma duvida quanto aas regras do politicamente correto, se posicionando contra as cotas, etc? Respondo a isso referindo-me a um evento que aconteceu comigo recentemente. Estava num ponto de onibus, e dois jovens ficaram aos meus lados. Os dois, que nao se conheciam, eram negros. Um, uma menina muito bonita, e outro, um rapaz muito bem apessoado. No caso da menina, falamos sobre um livro de filosofia moral, e o papo recaiu nas cotas para negros. Ela, negra, pareceu ser contra as cotas. Ela pegou o onibus, e ao meu lado o outro jovem deixou claro que naquilo que ele ee seu merito esta em ter conseguido fazer boas provas, ter boas notas, e ter conseguido bom trabalho. Nem entrei no merito se para isso acontecer foram necessarias cotas. Esses dois jovens me pareceram distanciados desse discurso de considerar a questao racial como algo a ser tratado pelo Estado, como politica reparatoria. Notem, normalmente a esquerda quer que vc tenha consciencia de classe, de cor, de raca, etc. Ocorre que as pessoas podem nao querer isso, e a esquerda nao se contenta, claro.
Voltando ao Bolsonaro, ele parece ter o apoio negro, em parte, creio que por causa mesmo disso. Os negros que o apoiam sabem que ele tem um ponto de vista distanciado da questao racional, mas tambem eles mesmos pensam assim. Nao pensam em politicas reparatorias, e nao tendem a se considerar parte de mundos separados culturalmente. Sao sujeitos comuns, que gostam de coisas comuns, e que querem se inserir no meio da forma comum. Nesse sentido, veem os ataques da esquerda a Bolsonaro com distanciamento e mesmo desconfianca. Pois notam que os criticos a Bolsonaro exageram. E por isso nao o consideram tao perigoso assim, mesmo sabendo que ele nao apoia politicas negras, indigenas, etc. Eles tambem veem comentarios de Bolsonaro a arroba de um negro, por exemplo, como arroubos de humor, nao como algo ofensivo (embora possa ser).
E quanto aa gente aparentemente do bem apoiando Bolsonaro? Gente esclarecida ou nao, que sabe que ele nao entende de nada do que fala, gente que compreende claramente seu potencial de odio em suas politicas, gente que - notem - sabe distinguir o papel preponderante do protagonista do PT nas ultimas gestoes, e que percebe que o que houve foi um golpe parlamentar contra um partido que nao tinha mais legitimidade para aprovar nada? Ou seja, nem estou abordando aqui o antipetismo, nem o potencial aparentemente esclarecido daqueles que sao contra o assistencialismo de matriz politica, que reelegeu o PT tantas vezes. Por que essas pessoas, que distinguem as coisas, estao se dispondo a votar no Bolsonaro e nao em algum outro?
Bom, gente supostamente esclarecida ja viajou ao exterior. Sabe que a America Latina ee isso mesmo, muito diversificada, sabe que os melhores lugares sao lugares economicamente rigorosos, que os paises da Europa e os Estados Unidos nao se metem a tentar corrigir desigualdades de ordem historica de uma hora para outra, que as pequenas empresas teem o seu lugar, e que o Estado funciona, em grande parte, como um fomentador de oportunidades, embora, ee claro, seja um Estado forte. Para essas pessoas, esse papo de Estado minimo pode ate fazer sentido, mas no sentido politico ee considerado insuficiente, porque essas pessoas sao assaltadas, teem de viver em condominios blindados, precisam ter desconfianca de tudo o que arduamente conquistaram. Ou seja, sabem que precisam de um Estado que lhes permita crescer e que as proteja. Pois bem. O PT nao encarna esse Estado, nem qualquer outro candidato. Nao lhes mostra que a vida ee, sim, mais dura do que lidar com direitos humanos. Nao conversa diretamente com eles. Bolsonaro conversa.
Notem que num cargo eletivo como o de Presidente o discurso ee realmente muito importante. Isso porque conheco muitos casos de gente que, simplesmente por nao falar a lingua daqueles que governa ou administra, nao consegue tocar a vida para a frente. Nao ee uma questao de incompetencia ou competencia. Ee questao de discurso mesmo. Por exemplo, voces acham que condominos em atraso mas com poder de voto irao votar em alguem com discurso duro, mesmo que nao tenha pratica dura contra a inadimplencia? Muito raramente, nao ee? Pois ee, vivemos num pais que precisa de uma ordem na casa, e quem paga as contas do Estado ee em grande parte essa classe media que quer discurso duro, quanto mais melhor. Nao ee uma classe media burra, necessariamente, entendam bem claramente. Ee uma classe media que cansou de gente que fala mole. Bolsonaro se adapta em seu panorama.
Termino dizendo que nunca iria votar no ex-capitao. E que em seguida farei um artrigo sobre o discurso de odio tao amplamente propagado, e sobre o flerte de candidaturas tipo a do Bolsonaro com o nazismo ou fascismo.
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