Não à busca do consenso

A barafunda que assola minhas atividades em casa - agora desempenho diversas tarefas para variados clientes e isso promete aumentar ainda mais nos próximos dias - faz com que eu me sinta cada vez mais dividido entre os deveres e acabe me confundindo consideravelmente. Mas também faz com que eu perca a paciência também com mais facilidade.
Refiro-me agora aos pensamentos derivados de reflexões de outros comentaristas sobre problemas presentes na opinião pública. No caso, ao pequeno artigo de Hélio Schwartsman, da Folha, sobre a importação de médicos, no caso cubanos, que aliás ele nem cita (Debate histérico, 7 de setembro). Pode parecer uma bobagem comentar um artigo, sem entrar no mérito da questão, ainda mais hoje, em que centenas de jovens apanharam da polícia por se manifestarem num 7 de setembro macabro. Mas acho que vale a pena me estender um pouco. Isso porque me convenço cada vez mais que gente tem que achar, creio eu, brechas no pensamento dominante para com isso estourarmos falsos consensos, desses que aliás buscam consenso - quando, creio eu, não seja mais esse o caminho interessante para os que querem romper amarras tão bem colocadas há tantas décadas pelo - de novo - pensamento dominante.
O artigo do Hélio é uma queixa. Ele diz que pelo açodamento adotado pelo governo teriam-se perdido oportunidades de melhor resolver a questão da falta de médicos nos rincões mais escondidos do país. Tudo bem, nem discordo, em última instância. Mas quero me prender em dois momentos do artigo que me incomodaram um pouco. Bem no começo, ele diz que as discussões têm sido marcadas mais por ideologia etc. do que "pela troca de argumentos e busca de consensos, como seria desejável". Bom, deixa eu perguntar: por que isso (a troca de argumentos e a busca de consensos) seria (mais) desejável?
Eu me lembro de quando eu buscava consenso. Em casa, por exemplo, quando o bicho pegava - nós estávamos com problemas graves com o meu pai -, eu queria o fim das discussões. Quando as discussões são excessivamente desgastantes, é claro que ninguém busca nada que não seja o consenso. Tudo bem. Mas há também um quê de comportado nessa aclamada busca do consenso. Afinal, quem disse que a melhor resolução de problemas se dá necessariamente pela troca de argumentos e pela busca de consensos?
Imaginemos uma situação em que os argumentos decidam. Normalmente, um diz uma coisa, outro, outra. Sopesam-se os argumentos e se chega a uma posição intermediária. Ok. Quando a questão envolve democracia, no caso, uma reunião de indivíduos que irão decidir, há a questão da maioria, a maioria decidindo, no caso. As decisões normalmente se dão colocando-se várias alternativas a serem votadas. Os argumentos, no caso, servem para formatar as propostas a serem colocadas. Mas eu penso que alguém chega, inevitavelmente, a essas propostas. E esse alguém não revela necessariamente a lógica que usa para chegar a elas. As pessoas que acompanham imaginam essa lógica, confiam ou não no interlocutor que chega a elas e se submete para votá-las.
Mas, e numa situação em que as posições são tão divergentes que aparentemente só conseguiriam levar a um impasse, em que também aparentemente deveriam exigir-se níveis mais altos de decisão para se avançar? Busca-se consenso, nesses casos? Não creio. Nessas posições, as soluções surgem por via judicial, em que ela mesma, com arcabouços milimetricamente calculados, coloca as posições formais e outros argumentos das partes à frente de autoridades com grande experiência para, num bater o martelo, as decisões virem a ser tomadas. Não há busca pelo consenso, nessas situações.
Eu sempre admirei e ainda admiro a democracia, ainda mais pela origem grega. Mas creio que haja algo que a opinião pública admire DEMAIS, que é a ausência de conflito ou a sua resolução. Não creio que as melhores soluções necessariamente surjam, nesse caso, pelo consenso, pelos argumentos.
Vamos aos casos reais.
Diversas instâncias de poder, estaduais e municipais, têm recentemente decidido pela prisão dos manifestantes encapuçados - muitos deles do chamado black bloc. O argumento por definição é que a Constituição não defende o anonimato. Ok. Vemos há vários meses a luta da opinião pública pela identificação e punição de funcionários públicos - em geral policiais - que aparecem em situações públicas sem identificação. Esse é o lado da opinião pública. Entendo e até concordo. Eu também não defendo o quebra-quebra - animado pelo anonimato. Mas por outro lado chego a quase entender a posição dos caras do black bloc, e penso que neles há algo que o pensamento dominante não discute, que é a resposta subserviente da massa a dominações que regulam nossas vidas. Pela argumentação usada, deve-se identificar ou prender os manifestantes encapuçados. Eu mesmo até me sinto meio incomodado com a situação de conviver com violência encapuçada, mas como reflito vejo também que a regulamentação da imagem do manifestante é algo que funciona naturalmente a favor do poder constituído. E não assumo que eu esteja a favor disso.
Voltando ao artigo, ouro ponto que me incomodou foi o seu final: "perdeu-se mais uma oportunidade de tentar aperfeiçoar o sistema". Digo: quem disse que o sistema está correto? Quem disse que ele deve ser aperfeiçoado e não simplesmente mudado? Essa argumentação pelo aperfeiçoamento leva a essa chamada terceira via que mal sabe discutir o que existe sem ter medo de mudar o que existe. Não se oferece solução porque se pensa, erradamente, que tudo anda na direção correta. Não concordo necessariamente com isso.
Bom, me estendi bastante numa discussão que interessa a bem poucos. Deve ser porque começo a pensar. Talvez pela primeira vez, sem me ater a tendêcias ideológicas que até agora me pareciam inelutáveis.

Tudo pode ser diferente. E não precisa advir da paz, necessariamente.

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