Artigo com tropeçadas

Todo mundo tropeça. Uma ou outra vez, falamos de forma desatinada e precisamos nos desculpar ou nos escondermos por trás do manto da aparente discrição. Fingir que não é conosco.
Mas acontece que vivemos numa democracia, que essa democracia é recente - tem no máximo 30 anos - e que, como bem sabemos, vivemos num país em que o poder está muito concentrado. E algo que a imprensa não gosta de falar: concentrado também nela, imprensa. Pois sei muito bem que, se dependesse de grande parte dos jornalistas na ativa, seria mais conveniente não dar satisfação a ninguém sobre o que é feito. Pois dar satisfação causa desgaste, precisamos nos justificar e, claro, nos sentimos tolhidos em nossa "liberdade de imprensa".
Falo tudo isso para abordar, brevemente, um artigo de um ex-professor meu, na USP, no Valor Econômico, na edição de sábado para segunda. Sobre o quê? Sobre a morte de Eduardo Campos e a: falta de transparência. Acabo de ver no programa do Gentilli uma entrevista com um programador (acho que era isso mesmo) que questiona a falta de transparência do voto eletrônico - o mérito deste caso fica para depois. Todos parecem gostar de transparência. Mas o Janine, que é o professor citado, fala de uma transparência em especial, e é essa que eu gostaria de abordar.
Não vou abordar o artigo como um todo. Vou ater-me a algumas passagens e questionar a questão geral, qual seja, a da transparência.
Janine diz que Campos dificilmente ganharia a eleição. Ocorre que nem os diretores de institutos de pesquisa possuem tamaha bola de cristal. E eles trabalham com isso. E o próprio Campos, se dependesse desse tipo de questionamento, jamais teria ganho a eleição para o governo de Pernambuco. Ato falho. Não dá para dizer o que não dá para dizer.
Janine diz que ninguém ocupará o lugar de Campos, sua liderança, numa chamada quarta agenda democrática (envolvendo educação, saúde, segurança e transportes públicos). Peraí, como assim? Essa agenda é privilégio de alguém? Ou não são todos os candidatos que, en passant ou de chofre, assumem preocupações quanto a esses itens? Como assim esse papel ficou vago? Não se enganem, Campos falava uma linguagem interessante, mas que eu saiba não tinha UMA proposta específica para cada um desses itens (irei procurar para confirmar isso).
Janine diz que no velório e no enterro não houve as cenas de desespero do funeral de Getúlio. Mas meu caro, Getúlio foi Getúlio, Campos era um pretendente a. Como esperar desespero desses que não tinham muita coisa - fora o fato de o morto ser da família e ter um valor simbólico potencialmente importante para o país? Os gritos de guerra no funeral já foram demais para meu gosto.
Janine diz que a trágica morte de Campos teve efeito mais político que simbólico. Ele argumenta: "é possível que não nos sintamos mais órfãos, porque não nos portamos mais como filhos dos políticos". Filhos dos políticos? De onde ele tirou isso? De uma pretensa sensibilidade amarrotada, em cada um de nós, com respeito a políticos-pai? Simbolicamente, a morte de Campos possui um peso enorme: o não-começo de uma trajetória de uma nova geração. Politicamente, claro, sua partida foi importante, por abrir espaço a uma disputa mais clara - entre os de sempre e uma novata Marina -, mas também, em termos partidários, não deixou de confundir o panorama. Pois o PSB não é a Rede de Marina. E o PSB tinha e tem interesses diferenciados dos da trupe da ex-ministra. E foi isso o que confundiu o espectro das candidaturas. Afinal, o que Marina propõe, agora, que tem em mãos a herança de um ser humano que não pôde ser? Eis a questão. Os jornalistas irão abordar isso de agora em diante, com toda a certeza.
Janine escreve bobagem enorme quando diz, em seguida "não me saía da cabeça que, não fosse ele candidato, sua família ainda o teria". Isso não saía da cabeça dele? Ora, o que é, é, o que não é, não é. O próprio Tim Maia defendia isso. Como assim, o Campos não ter sido candidato? Pois, se havia alguém fadado a isso, era ele. Bobajada de alto calibre, essa do Janine. Mas desculpo.
Em seguida, e mais importante, Janine argumenta que, ao contrário da sociedade, impelida a não comentar a sucessão de Campos e compungida a aceitar as resoluções das cúpulas dos partidos, esses mesmos partidos se lançaram a resolver de forma secreta essa questão. Mas Janine, por favor, não vai me dizer que agora você é favorável à democracia direta? Como se a sociedade realmente a quisesse... Ou que você preferiria que essa questão fosse decidida pelos formadores de opinião? Mas, meu querido, o Schumpeter foi o primeiro a dizer, e você me ensinou isso, que a democracia representativa consiste numa luta, como se fosse um produto, pelo voto de cada um... Você mesmo me dizia que a política real era uma coisa, e a ideal, outra. Meu Deus, Janine, não vai agora reclamar que as coisas são desse jeito. O que é um partido? Um PARTido, ora. Uma parte. Com interesses definidos, com aliados, com estrutura organizacional, com membros cotados para cargos. E o que era Campos? Um representante de um partido. Ou você acha que a candidatura de Campos era também sua? Não, meu querido, a candidatura Campos nunca foi nossa e a da Marina também não irá ser. Ilude-se quem imagina que por votar em um ou outro candidato passa a assumir um lugar privilegiado de discussão ou cobrança. Nada. Os caras pegam o voto e fazem o que querem. Claro, a questão é que não devemos deixá-los fazer isso, e para isso existe a opinião pública e todos os canais de que se reveste. Mas a política não é aberta, nem acredito que alguma vez será.
Podem achar que perco muito tempo falando para as paredes. Ou que a questão não merece ser discutida. Merece, sim, até para nós, que nos sentimos desguarnecidos, sem ninguém que nos represente. Nós temos de nos mexer. Nada ocorre enquanto ficarmos só olhando.

Termino informando: vocês acham que alguém, no condomínio em que moro, quer discutir assuntos que não lhe diga respeito diretamente sem ter sido eleito para isso? Vocês acham mesmo?

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